terça-feira, 7 de junho de 2011

Christo e Jeanne-Claude

Usualmente confundido por muitos como um artista de Land Art, Christo Javacheff e a sua esposa Jeanne-Claude parecem não ficar muito satisfeitos com este rótulo que lhes é frequentemente dado. “Christo e eu, acreditamos que os rótulos são muito importantes, mas para as garrafas de vinho, não para os artistas, e nós usualmente não gostamos de pôr rótulos na nossa arte. Mas se algum é absolutamente necessário, essa será o de artistas ambientais porque trabalhamos tanto no ambiente rural como no ambiente urbano.” afirma Jeanne-Claude.
Nascido em Gabrovo na Bulgária em 1935, Christo estudou arte entre 1953 e 1956 na Academia de Belas Artes em Sofia onde a sua mãe era secretária. Em 1957 mudou-se para Praga e depois para Viena onde se registou na Academia de Belas Artes de Viena e onde permaneceu apenas por um semestre, tendo viajado para Geneve e depois para Paris onde se fixou em 1958. No entanto em Paris a sua vida não foi fácil, caracterizada pelas suas dificuldades financeiras, isolamento social e pela sua dificuldade em aprender francês, Christo passou a ganhar algum sustento através da pintura de retratos. Foi desta forma que conheceu Jeanne-Claude, em Outubro de 1958 quando lhe foi delegado pintar um retrato da sua mãe.
Jeanne-Claude nasceu em Casablanca, Marrocos e formou-se em Latim e Filosofia em 1952 na Universidade de Tunes. A sua família permaneceu na Tunísia, devido ao destacamento do seu pai que era um influente general francês e só em 1957 regressou a Paris. Embora sem a aprovação da sua família em relação à sua união com o artista, sobretudo pelo seu estatuto de refugiado como também pelos contornos menos próprios que envolveram a própria ligação, Jeanne-Claude uniu-se a Christo não só na vida em comum mas também na vida artística.
A sua primeira colaboração em conjunto foi em 1961, quando cobriram barris no porto de Cologne. Em 1962, o seu primeiro projecto monumental foi realizado, intitulado “Rideau de Fer” (Cortina de Ferro), numa clara alusão e afirmação contra o Muro de Berlim. Mesmo sem o consentimento das autoridades, Christo e Jeanne-Claude bloquearam uma pequena rua com barris de petróleo, nos arredores do rio Sena, despoletando, como seria de esperar a reacção policial contra a obra de arte. Em 1964 o casal mudou-se para os Estados Unidos.
Fazendo parte de uma geração de artistas que na década de 60 se mostravam incontornavelmente insatisfeitos com o sistema de arte e com a banalização do próprio objecto de arte, devido à união cada vez maior entre a obra de arte e o mercado fortemente consumista, Christo, tal como outros artistas procuraram novos caminhos para essa libertação do consumismo desenfreado exercido sobre as artes visuais. A forma de resposta encontrada para enfrentar esta problemática parece ter sido a concepção da obra de arte no campo expandido, fugindo das instituições, dos ambientes fechados e da “clausura da arte pós-renascentista”, tal como cita Rosalind Krauss “Parece evidente que a permissão (ou pressão) de pensar o campo expandido foi sentida por um sem número de artistas ao mesmo tempo, aproximadamente entre 1968 e 1970.” Este caminho traçado para novas manifestações artísticas levantou uma série de questões, não só questionando a obra de arte como objecto comercial, como também questionando a evolução do rumo que a escultura moderna enfrentava e que já dava sinais do seu esgotamento “ uma veia tão rica e nova e que por algum tempo foi proveitosamente minada. Mas era uma veia limitada, tendo sido aberta na parte inicial do século, começou por volta de 1950 a ficar exausta. Começou, por isso, a ser experimentada cada vez mais como pura negatividade” afirma Rosalind Krauss.
“O campo expandido é gerado pela problematização do conjunto de oposições entre as quais a categoria modernista de escultura é suspensa” . Sendo assim o artista alcança a liberdade de pensar noutras possibilidades e formas dentro de um campo em que a escultura passou a ser um termo na sua periferia.

Ao raiar do sol do dia 9 de Outubro de 1990 foram abertos 3100 guarda-sóis em Bakersfield na Califórnia, ao mesmo tempo foram abertos em Ibaraki, no Japão 1340 guarda-sóis.Neste trabalho o artista explora as várias possibilidades que o campo expandido lhe proporciona, explorando o conjunto de oposições referidas pelos termos empregados por Rosalind Krauss “paisagem e a não-paisagem” e “arquitectura e a não-arquitectura”. Assim sendo, não sendo uma obra arquitectónica, durante a sua planificação e concepção, a obra de arte é guiada pelos mesmos parâmetros, é levado em conta o declive do terreno, o tipo de solo e até mesmo o tipo de fundações a utilizar. Desta forma não sendo uma arquitectura, a obra de arte é pensada como tal até ao momento da sua concretização. É preciso pensar o campo trabalhado com rigor a fim de evitar o falhanço de todo o projecto. Por outro lado o artista explora também a oposição “paisagem e não-paisagem” através do estudo da possibilidade do emprego da mancha de cor. Desta forma, no Japão, rodeados por uma luxuriante vegetação, Christo decidiu que os guarda-sóis seriam azuis, de forma a fundirem-se com a paisagem abundante em água, devido aos campos de arroz, por outro lado e de forma a fundirem-se com a paisagem árida da Califórnia, o artista optou por guarda-sóis amarelos. Assim sendo, não sendo paisagem, a obra de arte, une-se de forma pictórica com a paisagem numa fusão harmoniosa.
Outra das obras em que Christo explorou a possibilidade da “arquitectura e não-arquitectura” é “The Pont Neuf Wrapped”. Além de unirem o tecido à superfície da ponte, as cordas mantinham as principais formas da mesma, acentuando os seus relevos e realçando as suas proporções e detalhes, chamando a atenção dos transeuntes para a arquitectura da própria ponte, que passava despercebida quotidianamente. Desta forma, a obra de arte que não é arquitectura, funde-se com a própria obra arquitectónica, provocando a dificuldade da leitura da mesma em termos formais.
Permanecendo num limbo entre a Land Art e a Arte Povera, o termo que melhor define a arte de Christo e Jeanne-Claude é a Environmental Art. Os traços comuns com a Land Art são sobretudo a realização da obra no campo expandido, que pelas suas características não é possível expor em museus ou galerias. Tal como nas obras de Land Art, a comercialização da obra só pode ser feita através de registos documentais, fotográficos ou audiovisuais. Outro dos aspectos em comum é o lado efémero da obra de arte. No entanto o trabalho de Christo e Jeanne-Claude difere em muito dos trabalhos de Land Art. Nesta, os artistas procuraram locais distantes da civilização para a concepção das suas obras, embrenhando-se na paisagem, sendo ela própria o tema da sua criação. Exploraram a simplicidade das formas naturais dadas pela própria natureza e restringiram-se à capacidade matérica que ela poderia oferecer para a construção da obra de arte. Assim sendo, para a construção dos seus trabalhos empregaram a utilização de pedras, rochas, ramos, galhos, gelo, pigmentos naturais entre outros, conforme a oferta que o lugar escolhido para a obra de arte pudesse conter. Esta forte ligação com a natureza presente nas obras de Land Art parece remeter-nos para algo de místico, de ancestral, que nos faz lembrar culturas antigas. Rosalind Krauss estabelece esta ligação “A nossa cultura não foi anteriormente capaz de pensar o complexo, no entanto outras culturas pensaram este termo com grande facilidade. Labirintos são ao mesmo tempo paisagem e arquitectura. Jardins Japoneses são ambos paisagem e arquitectura; os campos de jogo ritual e processional de antigas civilizações, eram todas neste sentido inquestionáveis ocupantes do complexo.”

Pelo emprego de materiais tão diferentes, as obras de Christo não se assemelham com as acima referidas. Conhecido sobretudo por embrulhar coisas, Christo utiliza sobretudo cordas e tecidos para o efeito, no entanto, outros materiais também são usados pelo artista, tais como sacos, plásticos ou barris de petróleo. E é precisamente pelo emprego de materiais considerados pobres que a obra do artista se aproxima da Arte Povera, termo introduzido em Itália, em finais da década de 60 para descrever a noção de uma arte revolucionária, em que os artistas começaram a atacar os valores das instituições estabelecidas, quer fossem elas do governo, da indústria ou da cultura. Nesta corrente artística os materiais artísticos utilizados não eram os convencionais. Os seus adeptos utilizavam como materiais para a realização das suas pinturas areia, madeira, sacos, cordas, jornais, plásticos entre outros materiais que fossem encontrando de forma a empobrecer a pintura, com o intuito de eliminar quaisquer barreiras entre o dia-a-dia das pessoas e a obra de arte. Este contexto pode ser observado em “Wrapped Trees”. O artista embrulhou árvores com um tecido de polyester transparente e atou os seus embrulhos com cordas. Neste trabalho, o artista tirou partido da plasticidade do próprio material empregado. Movidos pelo vento, os ramos puxavam o tecido criando volumes dinâmicos de luz e de sombra, criando novas formas marcadas pelas cordas no tecido.
Outro exemplo do emprego de materiais não convencionais na obra de arte de Christo são as suas revistas embrulhadas, um dos seus trabalhos iniciais.
Outra das diferenças entre o trabalho no campo expandido do artista e as obras de Land Art é quanto à localização do mesmo. O artista não procura locais afastados da civilização, os ambientes escolhidos são sempre rurais ou urbanos. A este respeito o artista afirma: “O nosso trabalho não é concebido para os pássaros, todos os trabalhos têm uma escala para ser apreciada por seres humanos que estão no chão.” A interacção com os observadores é demasiado importante para o artista para que a obra de arte fique fora do alcance dos mesmos. No entanto, o artista afirma que como qualquer outro verdadeiro artista, quando cria a obra, em primeiro lugar cria para si mesmo e se a apreciação do público for positiva ela é vista apenas como um bónus. E tal como a localização da obra de arte é diferente, também o motivo da sua efemeridade. Na Land Art esta efemeridade materializa-se quando a obra de arte é deixada ao acaso, para ser cada vez mais interiorizada na própria natureza, influenciada pelas mudanças meteorológicas, geológicas e até mesmo sociais. Na obra de Christo o efémero é ainda mais acentuado, pois as suas obras permanecem no local apenas por tempo limitado, semanas ou dias, de forma a não criar interferências com o meio ambiente. Este foi provavelmente um dos pontos que mais gerou controvérsia no trabalho desenvolvido pelo artista. A sua interferência com o meio ambiente. Christo e Jeanne-Claude desde cedo demonstraram grande preocupação com a sustentabilidade das suas obras, todas as peças e materiais utilizados na produção do seu trabalho artístico são cuidadosamente estudados para serem reciclados de forma a não agredirem o meio ambiente, mas mesmo assim os seus trabalhos não deixam de ser controversos e criticados por alguns grupos de ambientalistas. Um dos trabalhos que esteve na origem de grande polémica foi “Wrapped Coast”, quando o artista embrulhou temporariamente a linha da costa de Litle Bay, no sul de Sidney em 1969.Vàrios protestos argumentaram que a obra era ecologicamente irresponsável; sobretudo porque interferia com o meio ambiente impedindo a habitual nidificação de espécies costeiras nas rochas. As queixas só foram levadas em conta quando alguns animais ficaram emaranhados no tecido que teve de ser cortado para que fosse possível a sua libertação.
Comentários conservacionistas por parte de círculos internacionais ambientalistas sobre o sucedido, levaram muitos artistas contemporâneos a repensar as inclinações da Land Art e da obra Site-specific. Sendo assim, nos últimos tempos, o conceito de arte ambiental está mais relacionado com a sustentabilidade na arte, do que na arte por si só.
Outra das características do trabalho do artista é a procura da monumentalidade na obra de arte através dos seus trabalhos de grande envergadura e da apropriação de monumentos arquitectónicos já existentes para o desenvolvimento do seu trabalho. Rosalind Krauss refere que “A lógica da escultura, parece parecer inseparável da lógica de monumento. Em virtude desta lógica, a escultura é uma representação comemorativa. Permanece num local particular e fala numa linguagem simbólica sobre o significado desse mesmo local.” Sobre estas apropriações o artista declara “Ao fazê-lo, nós vemos e percebemos todo um ambiente com novos olhos e uma nova consciência. O efeito é impressionante. Estar na presença de uma destas obras de arte é como ter a nossa realidade agitada. Vemos coisas que nunca tínhamos visto. Também podemos ver coisas que normalmente não são vistas, através de manifestações no tecido, como o vento a soprar, ou o sol reflectindo de formas que nunca tinha feito antes. O efeito dura mais do que o da actual obra de arte.”
Como conclusão, achei o trabalho desenvolvido pelo artista muito interessante, e um dos principais aspectos que mais me interessou foi a sustentabilidade da obra de arte, uma vez que atravessamos tempos cada vez mais preocupantes a nível ambiental. Acho importante que tal como qualquer outro cidadão consumidor, o artista tenha cada vez mais preocupação na sustentabilidade do seu trabalho bem como o papel desta na sociedade. Outros aspectos que me chamaram a atenção foram a forma como o artista emprega a mancha de cor na paisagem e as conotações do seu trabalho. Apesar de Jeanne-Claude afirmar “Nós queremos criar obras de arte alegres e belas. Construímos porque acreditamos que são bonitas. A única forma de ver isso é concretizando-as. Como qualquer artista, qualquer verdadeiro artista, nós criamos para nós.” Para mim, as conotações com temas ambientais, sociais ou políticos são muito óbvias, interessantes e directas. O seu trabalho leva o observador a questionar-se sobre várias assuntos conforme o local escolhido para a obra de arte, sobretudo questões ambientais como no caso “Surrounded Islands” que motivou a limpeza das próprias ilhas, de onde foram retiradas cerca de 40 toneladas de lixo.
Para finalizar, achei também muito interessante a acção de embrulhar, sobretudo os monumentos. Acerca deste aspecto o casal afirma “Ao longo da história da Arte, a utilização de tecidos tem fascinado os artistas. Desde os tempos mais antigos até ao presente, o tecido – formando pregas, plissados e drapeados – tem tido um papel importante na pintura, nos frescos, nos relevos e nas esculturas feitas em madeira, pedra ou bronze. A utilização de tecido no Reichstag segue a tradição clássica. O tecido, como as roupas e a pele, é frágil e expressa a qualidade única do transitório.”
De facto, esta temática do embrulho pareceu-me muito curiosa. E se ao inicio não me parecia fazer muito sentido, passado algum tempo entendi que o contexto destas obras tinha um conteúdo que valia a pena descobrir. Os objectos embrulhados levaram-me a uma reflexão do quotidiano sobre o porquê de embrulhar tantas coisas e se isso é realmente necessário ou se será apenas um reflexo no espelho da nossa sociedade consumista. E não embrulhamos apenas objectos, como também nos embrulhamos a nós mesmos e às instituições, por vezes com embrulhos bonitos por fora, sendo que por vezes o interior é precisamente o oposto. Também achei interessante este jogo de sedução que o objecto embrulhado provoca porque não sabemos o que estará do lado de lá, tal como na nossa vida quotidiana, quando conhecemos alguém apenas vemos o embrulho, mas não sabemos de concreto o que está do lado de lá.
Jeanne-Claude morreu aos 74 anos, a 18 de Novembro de 2009, vítima de um aneurisma. O casal trabalhava no projecto “Over the River”.

Conceição Lourenço

Fontes na Web:
Wikipedia, the free encyclopedia
http://en.wikipedia.org/wiki/Land-art
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_Povera
http://en.wikipedia.org/wiki/Environmental_art
http://wikipedia.org/Javacheff_Christo
Christo and Jeanne-Claude
http://christojeanneclaude.net
Bibliografia:
Krauss, Rosalind E. The originality of the Avant Garde and Other Modernist Myths
Ana Lídia Pinto, Fernanda Meireles, Manuela Cernadas Cambotas História da Cultura e das Artes Porto Editora
Imagens da web

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